terça-feira, 6 de julho de 2010

Rotina Abstrata

 Dias estressantes são freqüentes por aqui. As vezes eu os confundo, penso até que eles estão dentro da minha rotina; como se passar raiva fosse um compromisso, com data, hora e local para acontecer. Em alguns dias eu não consigo ouvir o silêncio - isso me faz mal. Então a falta de paz (sabe paz? - por Rômulo Fegalli) me incomoda muito, e não adianta vir me questionar, porque eu sei muito bem o que é isso, já estive próximo e pude contemplar a sensação.
 Eu não estou falando do mundo, nem da fome, nem da guerra, estou falando de pessoas. Minhas idéias não possuem proporções magnificas e/ou mundiais, pelo menos por enquanto. Não demorou muito e aprendi que quando se tenta 'abraçar o mundo', acaba-se ficando sem os braços.

 Estou de fato tratando de pessoas, elas nem sabem mas eu estou. Observando, eu fico ali quietinho, com a mesma pose de menino idiota e feliz, poucos percebem; mas nunca os meus 'pacientes'. Essa relação médica vem a ser bastante informal, ajudando mais a mim do que eles. Todos me mostram o que não devo ser, o que não devo fazer; são tão doentes, insignificantes, têm sonhos pequenos, seus olhos brilham diante da pura ferrugem; meus 'pacientes' me ensinaram o que não apreciar, em outras palavras: eles me vacinaram.
 Eu estou melhor agora, depois de andar muito até em casa, me asentei na cama e por ali fiquei durante muito tempo. Minha consciência estava ligada do momento, mas minha mente estava fora; breve momento de descanço, um conforto abrangente invadia meu espaço, eu senti naquele momento que ainda havia esperança, eu ainda não joguei fora minha vida como muitos fizeram. Me levantei e preparei um gelado e delícioso achocolatado, nunca pensei que ficaria tão saboroso.
 Mas a paz que mencionei no início ainda não tinha chegado, logo eu me deparei com a cara amarrotada de um fantasma dentro da minha cozinha; ele nem me assusta mais. A figura fantasmagórica tem nome: preguiça. Tudo que ele quer é me matar de inveja, pois fica o dia todo dentro da minha casa, perambulando pelos quartos, abrindo as portas dos guarda-roupas, sentado diante do computador e dormindo. Felizmente a inveja que esse coitado tenta me provocar tem passado longe de mim, eu sei o que é não ter nada pra fazer e como é deprimente ficar sem nenhuma ocupação decente. Mesmo assim ele ainda está aqui e deve ficar por muito tempo, mas a presença dele está sendo lentamente ignorada, pouco a pouco se desfaz diante de mim.
 Voltando para o achocolatado, ele desceu muito bem acompanhado de um delícioso sanduiche de bolonha. Meu cansaço mental era tão grande que demorei meia hora para devorar tudo; depois do dramático lanche, me bateu um sono pesado e fui dormir tranqüilamente. Acreditei que a paz pudesse invadir minha mente durante o sono. Mesmo assim nada fazia muito sentido.
 Infelizmente o silêncio ainda não era real, eu continuava ouvindo músicas para dormir, e ao longe o som da CPU ligada bombava uma sensação de tortura no meu cérebro. Não sei por quanto tempo apaguei mas não sonhei com nada - o que acho muito bom. Logo as luzes do quarto começaram a se acender na minha cara, parecia um delírio até perceber que era o fantasma enchendo o saco e sussurando: "Vou sair. Preciso me arrumar!" A sensação foi tão boa quando ouvi isso que relaxei e esqueci as luzes que doiam na minha retina. Ele vai sair e eu sei que logo vai voltar; mas isso não me interessa, ficar sozinho era tudo que me importava, eu não queria nada mais.

 Então o fantasma foi embora e eu soltei um grito de alegria. Me levantei vorazmente e corri diante da casa para ter a certeza que estava mesmo sozinho; o escuro me indicava o vazio, foi um momento perfeito, não haviam músicas tocando, a CPU estava desligada. O silêncio chegou até mim e me tocou educadamente, trazendo consigo a minha paz.
 A companhia dos dois durou pouco menos de duas horas, mas foi o suficiente pra mim. Se o silêncio ficasse o tempo todo ele iria acabar me incomodando e eu teria que mandá-lo embora de forma grosseira; a paz quase sempre o acompanha, então ela também se foi, mas deixou um pouco comigo. Antes de ir ela disse: "Tome um banho, relaxe e esqueça." Eu agradeci e me despedi dela, agora encerro esse trapo e me despeço de vocês, vou tomar o meu banho, relaxar e me esquecer.

Um comentário:

  1. Legal SB,

    acho que me identifiquei um pouco com seu texto.
    A questão das pessoas foi muito boa.

    Continua assim amigo!

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