terça-feira, 21 de outubro de 2014

Sobre Cães e (algumas) Pessoas

Algumas pessoas são como cães,
correndo até você ou fugindo.
Puro instinto.
Amam e odeiam sem ponderar limítes.
Seu sentimento puro é limítrofe.
Sem motivação aparente,
irão ladrar e morder,
choramingar e lamber.
Não respeitam, mas temem.
Desconsideram correspondência.
Insistem.

Algumas pessoas são como cães.
Vão implorar por atenção,
mas cansar-se da bajulação.
Podem ser dóceis, agressivos ou inconstantes.
Escolher um dono apenas ou ser de qualquer um.
Mas resistindo ou cedendo,
serão sempre cães:
Expressão de pena marcante.
Humor variável; não obstante.
Bom senso distante...

Algumas pessoas são como cães
e como tal tratados - ou mal tratados.
Serão alimentados,
mas também ignorados.
Por vezes surrados e abandonados.
Querem porque querem.
Se têm não querem mais.
Impedem que outros tenham.
Usados através das próprias vontades,
morrem como cães.
Amados, porém esgotados,
logo substituídos.

Algumas pessoas são como cães,
e por mais que você argumente,
elas não vão entender.
E ainda que você espere,
elas nada vão dizer.
Não negociam pois são cães,
e tal comparação não visa ofendê-los.
Cães de verdade são apenas animais.
Pessoas como cães,
ainda que conscientes,
permanecem irracionais.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Perto de Si, Longe dos Outros

 Indiferença - de longe, o pior dos sentimentos, todos dizem.
 Num debate sobre a mesma eu estava. E como numa reunião de pessoas que sofrem de uma mesma praga, havia um clima sombrio, aterrador. A grande ironia era saber que tudo ali, do palanque montado para os discursos ao sanduiche com suco rançoso servidos ao final da reunião, tinha o propósito, ainda que inútil, de fazer com que cada filho da mãe intitulado vítima se sentisse menos pior do que quando chegou.
 Pois aqui estou eu, sentado no canto de um daqueles grandes bancos de madeira que se vê aos montes nas igrejas, tentando dividir minha atenção entre William, que tentava comover a todos com seu clichê sobre estar apaixonado pela melhor amiga descolada, e uma canção inspiradora.
 Meu propósito ali, naquela maldita tarde chuvosa, era simples: como membro curado de um grupo de apoio, eu deveria dar a eles o meu testemunho de superação. Inicialmente, o objetivo desse testemunho era inspirar outros doentes à cura, no entanto, acaba-se descobrindo no processo que apenas se recebe uma inveja descarada por não mais ocupar um lugar ao lado deles. Sobre a maldita tarde chuvosa, só era maldita por eu haver gastado minhas últimas notas em condução e num lanchinho generoso para não ter que encarar o pós reunião. Para todo o mais, a chuva me mantinha calmo e com humor estável.
 William havia terminado, desceu do palanque com uma expressão inconformada. Fora saudado pelo grupo com um "obrigado William", outras frases peculiares e expressões de pêsames. A verdade era que cada cretino ali presente regozijava-se do sofrimento de William. Não o faziam por serem perversos, mas pela simples ilusão de que sofrer sozinho dói menos. Te quero bem, mas não melhor do que eu - este era o lema por trás da hipocrisia. A despeito de minhas observações, eu havia me tornado um jus desse mantra.
 Meu nome fora chamado, então eu fui. Dessa vez, nem mesmo James LaBrie pode conter minha concentração para cada passo dentro do salão. Me coloquei de pé sobre o palanque, mas antes de me pronunciar observei cada um dos rostos doentes, estes que me esperavam dizer algo sobre o que pudessem se identificar. Alienados. É assim nas igrejas e é assim aqui: escuta-se o que precisa para fugir daquilo contra o qual não se pode lutar. Lastimável, mas absoluta verdade sobre todos os que são fracos. Mas ora, quem sou eu para julgá-los quando há pouco eu estava ali sentado, alimentando expectativas de encontrar uma brecha, tentando reparar erros que não cometi e reconhecer falhas que não pude cometer, os motivos da minha agonia, dentre todos os porquês e por quem sofri. Respirei profundamente.
 "Boa noite", eu disse. Responderam em coro, então o silêncio me deixou prosseguir.
 "Senhores. William..." Olhei para cada um deles. "Nenhum de vocês aqui fora tão rejeitado quanto eu." Um burburinho me fez sentir imprudente, mas mantive a altivez perante alguns furiosos e prossegui. "Rejeitado e tratado indiferentemente por ninguém menos que eu mesmo." Meu orgulho então desapareceu junto às vozes. "Foi há pouco que me reencontrei... A vida tratou de bater forte na minha cara e me perguntar onde eu estava todo esse tempo senão comigo mesmo, vocês compreendem? Durante toda essa nossa discussão infantil sobre rejeição, eu acabei me deixando enganar. Seus choramingos me fizeram acreditar que toda aquela indiferença estava nos outros, mas vocês estavam todos errados." Àquela altura eu já lhes apontava o dedo. "Eu me desperdicei quando a resposta estava bem aqui." Então bati no peito com força - não me lembrava da última vez que havia feito aquilo, mas fazia algum sentido. "Podemos controlar nossas vidas e é isso. Parem de tentar impressionar, ser aceitos ou fazer com que essas pessoas lá fora gostem de vocês. Tudo o que conseguirem na força, por ela será tomado e isso vai doer muito. Sejam um pouco mais gratos consigos mesmos e comecem a dar valor ao que são de verdade, então aquilo que é de vocês será de vocês pelo mérito de quem são. E se em algum momento ousarem duvidar do que são capazes, olhem para tudo o que conquistaram e como conquistaram, pois nada provém dessa farsa. Parem de viver pelos outros, querer ser ou decidir por eles. Deêm prioridade a si mesmos, reencontrem-se e sejam felizes, com ou sem os fulanos que vocês acham que amam. E se amam, não cobrem por isso. Sentimentos não são cheques. Tentem não cometer o erro de esquecerem quem são e não tomarem a frente de suas vidas. E se escolherem perecer, que não sejam em mãos que não as suas."
 Desci do palanque ofegante, banhado em lágrimas desesperadas. Não fui aplaudido. Alguns olhares me fizeram acreditar em alguns momentos que eu não estava curado. Apelei por meus semelhantes não por preoupação, pois não sabia o nome de metade deles. Apelei por conhecer a dor e por causar tão pouca.
 Na maldita tarde chuvosa, eu e eu mesmo voltávamos pra casa.