segunda-feira, 4 de novembro de 2013

O Apreço Desprezado

 Consideração é dada. Não pode ser pedida, cobrada, forçada ou imposta. É por isso que, quando alguém falha em retribuir consideração, o dano é tão grande.
 Não estão errados aqueles que não retribuem, afinal, nada lhes foi pedido. Por fim, as únicas lições que se podem tirar dessa infame desigualdade são a experiência do erro em prezar por alguém que não merece, e o receio em ceder tal consideração novamente a quem quer que seja.

Texto originalmente postado por mim,
no facebook.

terça-feira, 2 de julho de 2013

Solo


Para o dia que lhe apreciei,
guardei um verso na escuridão.
Do encanto súbito à alma
ao perigo leve, distração.
Ardor para o coração.

Eu nada disse, eu nada fiz.
De que me valeria este risco infeliz?
Se teu solo me salvara a vida.

domingo, 30 de junho de 2013

Do Amor, o Indubitável


 Até ontem você ainda estava aqui, ao meu lado. Teríamos um sushi para hoje, uma sessão de cinema para a próxima semana. Muito a ser feito ou apenas nada, o que isso importa? Eu encontraria você, carregada de um mesmo semblante, aquele que sempre muda ao me ver, tornando-se o belo sorriso que você nunca conseguiu evitar.
 Foi preciso beber um pouco na noite passada; não para pensar em você, mas para ter as palavras certas que uma carta como esta costuma exigir. Duas garotas me fizeram lembrar dos caminhos que cruzamos, desejos que realizamos e de como viemos parar aqui.


 Quando sua cabeça começa a girar sem rumo, a única vontade consciente é a de estar com quem se gosta, num lugar aconchegante, longe de tudo e diante do silêncio, para assim alcançar seu ouvido e sussurrar um amor digno de toda a vida, esta que sua ausência tornou pequena e insignificante demais.
 Estive ouvindo, durante toda a madrugada, aquela última música que dediquei a você. Não fui eu que a compus ou gravei, é claro. Você sabe que sou um mero apreciador que não leva vocação para o artistico e que, ainda que eu soubesse do seu gosto por músicos, nunca me dediquei a ser um - o que nunca impediu que gostasse de mim. Muitas foram as canções que ficaram entre a gente. Nunca tivemos uma música para chamar de nossa, mas no início era você minha Ashley, meu sonho na tempestade, meu novo propósito. Apesar de todo o peso daquelas letras, eu adorei ser seu personal Jesus; nosso tainted love jamais será esquecido. Sei que se lembrará de mim pelo soar de certos tons e, hoje principalmente, toda vez que reconhecer que, não importa como me chame, eu seguirei meu caminho te amando da mesma forma.
 Éramos um casal bonito, foi o que ouvi de algumas pessoas. Outros conhecidos não chegaram a testemunhar nossa união, mas sabiam por alguma razão que nos dávamos bem e que combinávamos um com o outro. No entanto, eles ainda são espectadores e por isso não podem saber o quanto foi realmente especial pra gente estar junto. Fácil seria, para qualquer um deles, dizer que podemos nos abandonar e viver, simplesmente. Eles são os donos da teoria, mas fomos nós os detentores da prática lado a lado. Onde quer que estejamos, não importa o quanto eu ou você sejamos encantadores para alguém; eu conheço seus demônios, você os meus e, como ninguém, sabemos lidar com nossa fúria peculiar.
 Hoje não consigo mais chorar - bem, disso você já sabe. O aperto no peito e o nó na garganta insistem, mas não existem mais lágrimas. Queria eu desabar bem na sua frente, só para saber se você juntaria minhas peças e me faria completo de novo, ou apenas me deixaria em pedaços para que eu me recompusesse sozinho e aos poucos. Algumas vezes, cheguei a dizer que me humilhei por você, mas meu derradeiro castigo foi prostrar-me diante do orgulho e deixar que ele me impedisse de seguir adiante.
 Sabe, você nunca irá se tornar um daqueles meus contos. Todos eles proveram de inspirações menores e o tempo que vivi ao seu lado fora grande demais para se limitar a um breve texto. Como antes eu havia lhe dito, minhas estórias possuem início, meio e fim, mas contigo eu nunca soube onde ou quando parar. Talvez você não precise dessas palavras, mas elas precisam sair de mim para que me haja paz.
 Este não é um adeus, de fato. Não é um até logo, pois nossas feridas e suas circunstâncias não permitem que estejamos próximos demais pela manhã. Este é apenas um canto de fúria e esperança que talvez em mim nunca morra, pois não vejo como conceber este fim. Eu nunca consegui duvidar que daria certo.

sábado, 1 de junho de 2013

Canseira

 Cansaço. Sinônimo de fadiga. Palavra simples e objetiva. Nossa mais comum desculpa e mais frequente consequência. Da integridade do corpo aos pormenores da alma, estamos todos exaustos.
 Num dado momento nos escondemos, mantemos o silêncio de nossa inquietude, mas alimentamos o cansaço da repressão. Num outro estamos vulneráveis e explícitos, procurando desesperadamente pelo buraco mais próximo onde possamos nos refugiar. Nossos questionamentos são saudáveis, porém cansativos, mas pior seria não questionar e morrer sem descobrir como é excitante ter alguns inimigos.
  Das ilusões sobre o tempo, a pior delas é pensar que ele passa ora ligeiro, ora vagaroso. Sua única verdade é ser constante e não estar à nossa espera. Ele nos ensina que até mesmo as oportunidades se cansam e não mais aparecem, pois sabem como somos inflexíveis. Assim a família se cansa, os amigos desistem, o trabalho nos deixa exaustos e toda forma de relacionamento acaba por nos sufocar.

 Se não fossemos tão tolos e desconfiados, sofreríamos menos e aprenderíamos mais a cada curva. A pessoa legal, que convidava sua paquera para sair todo fim de semana, irá se cansar da espera, das recusas e das desculpas. Aquela outra, da qual se espera uma ligação, desistirá de aguardar ao telefone, e a recíproca será verdadeira.
 Enquanto reclamamos do cansaço de estarmos à toa, muitos prezam pelo descanso que aqui desperdiçamos. Aquele velho ranzinza e intolerante há de se cansar de sua estupidez, assim como os jovens de hoje se cansam de brincar e decidem levar à sério - complicar e destituir - a simplicidade que é a vida. Todos os acertos e erros lançados em função do arrependimento. O outro lado das escolhas fora há muito engolido pelo tempo e jamais será revelado.

 Certo dia nos cansamos de sermos imaturos, noutro recusamos toda a seriedade. Se olharmos em volta, perceberemos sem dificuldades que o mundo se cansou da gente, e hoje nos expulsa daqui. Cansados de esperar pela felicidade, eis que estamos acomodados demais para corrermos até ela.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

Notas de um Fraco Relutante



 Eu queria acreditar no contrário, no hipotético, na mudança pela qual insisti e lutei. Gritando e chorando, fui me perdendo, até desabar por completo na impotência de não conseguir sustentar o que me feria o corpo, mas acalmava a alma. Eu queria duvidar de tudo que me prova que estou certo, mas negar a razão é brincar de viver por se arrepender.
 Não me sinto preparado para isso, ainda que sua falta acabe comigo.

quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Ruína de Austin

 Há tempos, uma mesma profecia insistia em assoprar-se contra Austin - a lufada fria do inevitável o fazia arrepiar da espinha até a alma. Quando se tem consciência do fim de tudo que conhece, pode parecer normal querer enlouquecer e sair sem rumo, para encher a cara de bebidas e bolachas. No entanto, pouco importava para ele passar a noite em claro ou dormir para que o amanhã vazio e insólito lhe acordasse. Poucas coisas ainda faziam sentido até ali; e foi a perda dessas pequenas coisas que o ruiu, pouco a pouco, até que nada restasse, além de seu orgulho, algo que ele nunca havia perdido.

 Certa vez, Austin questionou a si mesmo se já havia amado de verdade. Hoje, tal indagação não era mais motivo de debate em sua mente. Sim, ele havia amado - e aquilo o aniquilava. Descobriu o amor quando percebeu estar sendo amado na mesma proporção, e o laço forte que a reciprocidade era capaz de criar. Então seus problemas aumentaram, pois aquele não era mais o seu mundo, mas um universo ligado a outro ser de uma forma tão natural, que meses eram notados como semanas e aquela data especial repetia-se com frequência tal, que era difícil manter a contagem sem fazer uma ou duas continhas.
 Nas montanhas logo à frente, além dos portões de seu templo, formava-se uma horrenda tempestade. Seus olhos a observavam com medo e desesperança; tão abominável era, que arruinaria tudo se caísse sobre si e sobre aquilo que protegia. Mas o que fazer, se Austin também amava as tempestades?
 No dia seguinte, Austin foi pego de surpresa pelo primeiro raio, que fora lançado afora da núvem cinza, cortando o ar diretamente contra seu peito. O terrível impacto lhe tirou o folêgo, o lançou à metros de distância e impediu seu grito de socorro. Aflito em seu coração, Austin pôs-se a escrever nas paredes do templo com a vontade e a fúria que ainda lhe restava, acreditando que suas palavras afastariam outro possível ataque; mas à medida que a pedra em sua mão deslizava e marcava seu desespero, a núvem envolvia o templo em sua massa escura e cruel. Ele encarou os céus cobertos pelas trevas, prostrou-se perplexo junto ao centro do salão e, abraçado aos joelhos, apertou os olhos e chorou de medo.
 Um vento forte derrubou os muros de sua coragem, causando um estrondo tão alto quanto o disparar de cem canhões. Foi quando a chuva caiu sobre si, suas gotas como milhares de farpas, que Austin sofreu como nunca havia sofrido. As causas de sua angústia e dor não estavam claras, até que os clarões dos relâmpagos o revelassem a visão terrível. Estivera testemunhando o embate furioso entre tudo aquilo que mais amava se corroer e se corromper num véu negro de pavor e desgraça.
 Seu espaço fora invadido e destruido; suas verdades postas à prova. Austin nunca pensou que a realidade pudesse mudar de forma tão voraz. A tempestade cruel continuou a cair e a desolar a pequena ilha que era seu mundo. Tragou o que era seu para o abismo e a levou de seu coração para sempre.
 Durante alguns dias, Austin permaneceu abatido no chão duro e úmido, que misturava o frio da água precipitada ao sal de suas lágrimas. Quando sua mente enfim cedeu ao fracasso e acatou a idéia de um recomeço, retomou a força precária de seus braços e pôs-se de pé, com extrema dificuldade. O tempo em que estivera deitado o fez acomodar, mas o estalar de suas articulações lhe deu breve e novo ânimo. Sentiu-se um boneco de lata enferrujado, lutando contra a própria degradação.
 A chuva havia apagado seus escritos nas paredes, mas bastava olhar bem de perto para reconhecer o desespero em tentar salvar seu templo. Ele então caminhou até a beirada destruída que antes era uma entrada e contemplou a imensidão nublada sob seus olhos. Notou que a tempestade continuava a cair, mas estava abaixo de si. Tal descoberta o assustou; não queria mais se molhar e os sons abafados dos trovões abaixo das nuvens espessas ainda o deixavam tenso. Do horizonte surgiu o primeiro raio de um novo sol. O brilho resplandecente repousou sobre seus pés e, num agradável ritmo, ascendeu em seu corpo, conforme a estrela surgia. Ela o aqueceu e o fez descansar em seu abraço aconchegante; mostrou-lhe as ruínas de seu passado e o espaço limpo no qual seria construído seu futuro. Estava tudo bem.

 Apesar de ter sido apenas um sonho; maluco, porém revelador, a cidade inteira parecia diferente no dia seguinte, mas Austin sabia que não se tratava da cidade, rindo ao se dar conta do medo que se impõe ao ter que admitir as mudanças de si mesmo. Atravessou a avenida ouvindo músicas que antes não conhecia. Na monotonia, tentou desvendar os sorrisos que estampavam seu mural de desconhecidos, conversou com estranhos próximos e outros colegas distantes, mas evitou manter alguns vínculos; uma vez que, quando a tempestade voltasse a lhe visitar, não queria ele perder mais ninguém.


quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Bramido do Rei

 Contos de uma profunda e misteriosa natureza revelam uma verdade óbvia, mas há muito não observada: que reis serão reis, ainda que os vermes os comam depois que perecerem.
 Sua condição pode não ser mais a mesma e seu corpo pode não ter mais o mesmo vigor. Sua mente pode ter se perdido no vago limbo da morte. Um rei será eternamente rei. Além da derrota, acima do pecado, diante da fúria e do escárnio, em sua eterna soberba, ao saber que nem todos nasceram para governar.
 Esta é uma história simples, como a história de todo rei.

 Estamos numa terra distante. E bem aqui, perto do sol, nasceu um leãozinho. Ele fora amado, orgulhado e muito bem criado por seus pais. Mas sua precoce inocência não lhe fazia reconhecer que, com poucas semanas de vida, todo pequeno leão teria de ser levado ao cume de um grande penhasco preenchido de raios e fumaça. E que do alto daquele penhasco, os pequenos leõezinhos deveriam ser jogados.
 Dessa forma, nunca mais veriam seus pais; e deveriam sobreviver sozinhos depois da queda.
 O leãozinho fora então lançado. Caiu, bateu aqui e ali; assustou-se e gemeu de dor. Sentiu o solo como uma pancada nas costelas. Não pode se levantar depois disso e ali ficou, até que suas forças retornassem.
 Uma selva escura e densa jazia ao fim do penhasco. Uma ampla natureza e uma diversidade incrível de outros animais habitavam ali, e todos respeitavam o pequeno leão. Aqueles semelhantes a ele mantinham-se sempre por perto. Criando um respeito silencioso através de toda a abundante vida da selva.
 Seguindo o que seu pai lhe ensinará lá em cima, o pequeno leão dominou a caça e aprendeu a se alimentar por conta própria. Encontrou abrigo e água, aconchego nos dias frios e proteção contra as chuvas tempestuosas que desciam das nuvens do penhasco periodicamente. Conheceu e tornou-se amigo da floresta e da maioria dos bichos. Amou uma bela leoa e por ela foi capaz de tornar-se um dócil felino. Entregou-se às paixões, desafios e perigos daquele novo mundo, sem muito pensar. Tornou-se rei.

 Tempo depois, enquanto contemplava o sol, imaginou se era aquele o mesmo que brilhara no dia em que nasceu livre. Desejou que seus pais pudessem contemplar a beleza da estrela junto consigo, pois sentia-se mais próximo da grandeza do mundo quando estava sob o sol, e seu coração desejava alcançá-lo.
 Não havia orgulho ou emoção alguma em ficar ali! Uma idéia de grandes propósitos estava prestes a libertá-lo de sua alienação - não podia mais viver pelos outros, acomodado e esperando pela morte.
 O rei se levantou. Queria voltar, mas jamais deveria ter se entregado à turva selva, que lhe coroou, mas ao mesmo tempo lhe fez escravo de uma condição superior. Agora, seus companheiros o desprezavam por brilhar e estava sendo rejeitado pelos mais radicais. O leão encontrou-se de volta no dia em que fora jogado penhasco adentro por seus pais. Qual era o propósito? Céus furiosos o pairavam sobre si.
 Correu desesperadamente, tentando entender os motivos de não poder se rebelar contra seus liderados pelo seu próprio bem. Não queria fazer mal a nenhum deles, queria apenas um desejo realizado por ter nascido rei. No fim da trilha, esteve encurralado por tudo e por todos e, pressionado, tentou argumentar e convecê-los de sua verdade, mas de nada adiantou. Eles o queriam como rei! Viu e ouviu coisas que não suportava testemunhar, até que suas mandibulas tremeram diante das suplicas, e o leão rugiu.
 Sua fúria ecoou por toda a terra. Fez tremer as florestas, perturbou a calmaria dos lagos e causou a erupção dos vulcões. Grande era a surpresa no coração de cada um de seus companheiros. Um a um, eles lentamente se afastaram e deixaram o leão caminhar pela trilha de essências que havia criado.

 Seguiu através da perdição de sua ira, quando percebeu mudar os arredores e tudo se tornar escuro de repente, como se estivesse envolto numa avalanche de cinzas. Suas patas alcançaram uma parede sólida quando sentiu o chão desaparecer; suas garras expostas - num ato instintivo de sobrevivência - cravaram-se sobre as pedras mais dispersas. O leão ergueu sua cabeça e viu seu grandioso pai logo acima, depois de todo aquele tempo.

 Animais de outras espécies pensam que precisam de um líder, por não saberem lidar sozinhos com suas vidas. A maioria dos leões que são lançados no abismo costumam nunca mais retornar. Eles se deixam levar pela grandeza da selva e são fácilmente dominados por ela. Mas você, filho meu, leãozinho ousado, agora já adulto, fez justiça ao que nasceu para ser. 
 Seu equilíbrio fora estabelecido num rugido que alcançou os céus de seu pai. Sua selva agora lhe respeita pelo que escolheu ser.
És caos e calma, o mais nobre rei: és o rei de si mesmo.

sábado, 26 de janeiro de 2013

♪♫ Wind

Akeboshi - Wind (Tradução e Vídeo)

Cultive sua fome antes de idealizar.
Motive sua raiva para fazê-los perceber.
Escalando a montanha, sem nunca voltar;
indo mais além, sem nunca cair.

Meus joelhos ainda tremem, como quando tinha doze anos.
Fugindo da sala de aula pela porta dos fundos.
Um homem me xingou duas vezes, mas eu não dei a mínima.
Esperar é um desperdício para pessoas como eu.

Não tente parecer tão sábio.
Não chore por ter razão.
Não se apegue a mentiras ou medos,
pois você irá odiar a si mesmo no fim.

Você diz: "Sonhos são sonhos...
eu não vou bancar a tola novamente."
Você diz: "Pois eu ainda tenho minha alma!"

Relaxe, querida, seu sangue precisa correr mais lentamente.
Invada sua alma e entenda a si mesma antes de se entristecer.
O reflexo do medo projeta sombras do nada...
sombras do nada.

Você continuará cega se ver uma estrada sinuosa,
pois há sempre um caminho reto para o que você vê.

Não tente parecer tão sábio.
Não chore por ter razão.
Não se apegue a mentiras ou medos,
pois você irá odiar a si mesmo no fim.



domingo, 20 de janeiro de 2013

Insuportabilidade


Mais insuportável a cada dia,
fica cada vez mais difícil me obrigar,

me forçar, me induzir,
persuadir, me prender.


Texto originalmente postado por mim,
no facebook.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Austin e as Promessas do Novo Ano

 Apesar de nunca ter sido bom em matemática, Austin gostava de contar. Contava seus passos na rua, os segundos para o sinal de trânsito abrir e fechar, o número de garotas atraentes que por ele passava. Contava dinheiro e trocados. O tempo de introdução de uma música, seu refrão e o intervalo entre aquela e a próxima faixa. Contava o número de vezes que costuma contar numa mesma hora.
 Fim de ano é temporada ideal para contar. Há dias da última contagem do ano, não lhe implicava o quão importante fosse o compromisso ou sua dedicação para qualquer tarefa. O simbolismo tornou-se tradição, e para o ano desgraçado que lhe caiu aos ombros, Austin ansiava em contar este fim. Esperou e, na noite certa, contou. Transbordava de emoção com a sensação ludibriante de dever cumprido. Cada segundo aumentou sua euforia até o cume das explosões. Nos céus e dentro de si, havia mundos em festa.
 Foi preciso alguns dias até que Austin acordasse de sua ressaca físíca e moral e notasse o quão tola fora sua interpretação das boas novas. Entre muitas felicitações, permitiu que sua mente lhe pregasse uma peça maldosa. Por um momento, pensou ele ainda estar na temporada que se foi. Sua consciência o convenceu deste equivoco e lhe obrigou a repetir como um fantoche as mesmas palavras em ordem: "um novo ano irá chegar e tudo será diferente". Ao despertar, Austin desejava como nunca culpar alguém por seus delírios, mas a culpa era exclusivamente sua. Pobre tolo, enganado pela própria sanidade.


 A data no calendário mudou; o mesmo aconteceu para o mês e é claro, para o ano. Atmosfera sufocante. Minutos de trantorno o fizeram entender que sua transição aconteceu de forma rápida demais, mas que a velocidade dessa transformação não lhe trouxe absolutamente nada. Uma lágrima percorreu seu rosto até tomar volume na parte mais extrema de seu queixo e finalmente desabar na realidade. O que foram feitas das promessas de Austin? Onde estão suas perspectivas e esperanças, todo o plano que traçou durante horas, por dias a fio, sem pensar em outra coisa? Valeu a pena guardar o melhor de si para tão pouco? Nada era tão humilhante.
 Uma das convicções que assimilou durante suas aventuras era a aceitação daquilo que não pode ser mudado. Se o tempo resolveu brincar de mestre e usá-lo como um dado lançado à sorte, que seja essa sua verdade e agora, acima de todas as adversidades, sua arma contra a tristeza e a mola que o impulsionará até o ponto em que caiu. Mais uma vez, Austin decidiu superar sua frustração e persistir.


 Duas auroras se passaram até que sua paz reaparecesse, pequena e frágil. Lhe faltava uma peculiar integridade. Seu corpo não o respondia de acordo com sua vontade; entretanto, sua mente reorganizou depressa as principais idéias. O mundo não há de acabar, não mais! Logo, campos claros de pureza, quase todos limpos das sombras que confundiam seu raciocínio repousavam no silêncio de seu sono.
 Depois de vários auto-exames, concluiu que tudo contribuiu para uma nova concepção das mudanças no tempo. A primeira lição fora aprendida. Um progresso mais que fenômenal. Decidiu esquecer suas promessas e as dos outros, mesmo sabendo que o ritual se repetiria de novo e de novo. Ignorou a data no calendário e, pouco a pouco, arquitetou uma coragem renovada. Parou de contar compulsivamente e marcar hora para tudo. Jogou limpo consigo e com o resto. Não precisava mais de um álibi, apenas de si mesmo e sua nova mentalidade. Austin renasceu de um engano universal.

sábado, 5 de janeiro de 2013

Virada, Quatro Dias Depois

 O ano virou. Não sei se durante o espumante ou a tequila, mas aconteceu. Viraram copos, taças e garrafas. Do limão abridor de pernas à melancia tóxica. Salve o maracujá! Virou a cabeça de quem tomou, apagou e pensou que jamais retornaria. Quem viu babaca virar fera, assistiu ao troco bem dado e ao fim da noite virar o fim do ano e de muitas outras coisas destinadas a terminar.
 Para toda ação, reação é estar incrivelmente capaz de chegar ao límite depois do erro e das lágrimas.
É amanhecer em grande estilo. Conseguir estar sozinho. Sentir frio e não sentir nada. Saber que o horizonte trêmulo à frente é tão instável quanto as lufadas. Linhas brancas rasgavam o céu pela manhã.
 O rosto de cada uma daquelas estátuas humanas mal iluminadas representavam uma angústia particular em contraste com as realidades da noite anterior. Medo do nada e nenhuma certeza, talvez. Bocas inquietas para conversas paralelas. Pulamos das risadas saudáveis, regadas à boa comida e bebida leve, para os assuntos degradantes. Aprender o valor do silêncio valeu a pena nesses últimos instantes. Não faria sentido expor contradições e argumentos. Há vontades que se vão em delírios repentinos e reflexões dadas ao longo de minutos curtos. Conclui-se que, para um anfitrião, não é fácil ser versátil.
 Duas caravanas nunca couberam num mesmo espaço. Logo me despeço, agradeço presença e digo que não há por quê se desculpar. Espero que voltem - quando eu convidar. Durante o rodeio forçado, preparo discurso e paciência. Tantos demônios para enfrentar num mesmo dia... Confraternização universal chocando-se contra minha amarga discórdia interna. Por fim, cansaço, febre e insônia.
 A manhã seguinte trazia consigo um sorriso cínico marcando o calendário. Maldição. Dores e demais manifestações cruéis traziam à tona verdades revoltantes. Por que corremos tanto atrás do vento se, mesmo no limite das forças, ele se mantém protegido de nós? Nas mãos ou na mente, a preguiça é o mais comum e saboroso crime. A doença criada à partir de nossa diagnose vira pecado por corpo mole. Se hoje não quero levar à sério, hoje não posso levar a sério. Simples. Não hoje. Cortadas sejam as línguas hipócritas que associam desistência à um caráter fraco. Muito material fora desperdiçado e todos esses falsos moralistas, ainda que estivessem abraçados à foice da morte, também desistiriam de morrer.
 Lembre-se daquele horizonte. Mesmo depois de outra noite perdida pelos mesmos motivos, há ânimo em retomar a vida, ainda que o três incomode - ou o que se perdeu nos últimos dois. Talvez nada; e também não haja ganhos até aqui, a não ser o agravante desses infortúnios. Bom saber que não estamos sozinhos; e o que não faríamos sem aqueles que carregam nossa dor como a sua própria. Parte dessa lógica é famíliar e não falha, pois é essência que sobrepõe o sangue. Entretanto, existem ruas que o acolherão melhor que tua casa, e luas opostas para os teus salvadores. Por fim, nenhum requinte deste vocabulário seria capaz de retribuir um carinho sincero em horas precisas. Quem tem alguém, tem motivo para ser feliz.
 Um passeio final pelo terceiro dia até a chegada mais esperada desde o falso presságio maia. O silêncio, o escuro e a ausência são companheiros indispensáveis àqueles que realmente amam sua vida e seu espaço. Há tempos não estivera reunido comigo mesmo para descarregar certas infelicidades e reconstruir motivação. Não há nada mais puro que o sorriso de um homem solitário. Ele não precisa mostrar aos outros sua satisfação. Está bem consigo. Houve uma saudação alegre até os preparativos do descanso.
 O desconforto fora baleado pela surpreendente ação de alguém que não deixa de amar, mas ama à sua própria maneira. Bom café ao paladar acompanhando mais anagésicos. Dia de reorganizar e aguardar um sinal. Reprimir anseios fúteis e exprimir vontades absurdas. Dormir com uma gata e acordar arranhado. Ficar abobado. Sentir arder e ver a dor como mais doce triunfo de prazer. Sadomasoquismo virou ritmo.