Batizado

 Dia lento, sedado. Reparei a data que o professor escreveu no quadro e pensei: "A data colocada ali jamais irá se repetir." Esta é a prova banal, única e concreta de que cada dia é único; com todas as suas horas, minutos e segundos. O tempo de minhas histórias nao retornará por mais que elas estejam aqui comigo; este mesmo tempo poderá se renovar, dependendo apenas de mim e da minha agridoce nostalgia.
 Não tenho pensado muito na próxima eventualidade, para mim fazer dezoito é como fazer dezessete, ou dezenove daqui um ano e um dia. Mas pensei no sentido de tudo isso, na validade exata desse meu produto, dessa minha vida. As minhas idéias não estão organizadas, assim como a bagunça no meu quarto.
 Pensar tem feito minha cabeça doer; nunca me senti tão bem e satisfeito ao tomar um simples banho, ou ao poder me assentar na minha cama barulhenta e respirar fundo. Não, eu não tenho corrido muito, meus passos têm sido lentos, assim como o meu raciocínio em dias ensolarados. Uma verdade se esconde por entre muros, as mentiras e trapaças que sustentaram minha ponte até aqui irão desmoronar; por sorte ninguém verá meu grande estrago, mas todos poderão contemplar a nova obra que surgirá das ruínas.
 Tenho bons presentimentos e alimento bem minhas expectativas; sou um caçador de sorrisos, um amante literal da sabedoria. Minha alegria se concentra em minha sobrevivência, são quase duas décadas de desvio meio à hipócritas e ladrões - digo, pois fui um deles. Minhas cores se mesclaram tomando um agradável tom de cinza; todas as músicas da minha sinfônia se resumiram à intervalos de silêncio diante da minha respiração; dentre todos os traços desse sangue amargo, podre e adolescente, ouço um grito e sinto alguém morrendo; na violenta contrapartida um pranto desesperado me acordou, para que um homem pudesse finalmente abrir seus olhos; mesmo não havendo nada de construtivo para ver...