segunda-feira, 8 de agosto de 2011

19

 Já fui Jesus no mesmo dia em que entrei na pele do Diabo. De todas as promessas que não cumpri, a maioria fiz a mim mesmo. Fui desleal. Já roubei e tive vontade de matar, me senti descaradamente roubado sem ao menos saber o que tiraram de mim. Investi pesado em planos sem perspectiva. Sonhei alto em nuvens carregadas de ilusão. Fui patéticamente tolo, ignorante e muito estúpido. Recorri ao desespero como primeira opção, caí na porrada, batendo e apanhando dobrado. Ainda crescido, chorei como uma criança sem colo. Paguei caro por cada palavra mal dita. Desisti de cumprir acordos, me esqueci dos combinados, rasgei muitos contratos, quebrei regras e sim, pensei que nunca fossem descobrir.
 Já beijei várias garotas numa mesma noite, e nenhuma durante meses. Já me arrependi por ter traido e novamente chorei - entretanto, superei. Me arrependi também de coisas que não fiz, quando acabei descobrindo que é melhor conhecer os resultados, por pior que eles sejam, do que ficar na vontade, fantasiando possibilidades. Já questionei minhas origens, minha criação, meus hábitos, minhas vontades e minha própria natureza. Tentei modificar aquilo que não deve e não pode ser modificado de maneira alguma. Já tentei fingir, muitas vezes consegui, e por isso eu menti... e como menti.
 Já discuti com meu alterego inúmeras vezes. Enfrentei violentas guerras entre razão e emoção, e ainda que muito sensato, fui explicitamente corrompido e desvalorizado. Com minha experiência, resgatei corações aflitos do infortúnio. Aprendi a não sentir pena de nada e dar mais créditos às minhas virtudes. Sofri bulling por ser diferente, pensar diferente e agir diferente; mais tarde compreendi que o valor da personalidade, inevitávelmente, incomoda. Experimentei doses de obsessão e loucura - tive muito medo daqueles que não as controlam. Explorei grandiosos impérios governados pela burrice e conquistei terras singelas às quais jamais imaginei pisar. Estive atento nas partes mais distintas do mundo, enquanto disperso para todo o resto. Já estive cercado por loucos que desconheciam todos os meus traumas.
 De católico fui à crente, permitindo que infectassem meu cérebro com doutrinas ridículas. Descobri o que é o bom senso e agora estou desviado de tudo o que me desgasta. Cheguei a pensar que a verdade estava descrita num único livro, mas desconfiei de sua credibilidade quando percebi que cada ser acredita apenas naquilo que lhe convém. Estive despreocupado quando finalmente aceitei que grande parte do mundo precisa ouvir um pouco dessas historinhas fantásticas para dormir em paz e seguir em frente.
 Já estive à beira da loucura. Passei por tratamentos psicológicos que me ajudaram a entender quem e o que sou. Tomei para mim o conceito de que todos, sem exceção alguma, precisam se tratar. Já fui negado e julgado pelas aparências, primeiras impressões e amores à primeira vista. Pratiquei o desapego, descobri o amor próprio, dei ênfase ao egoísmo, me tornei insuportável... enfim, eu nasci assim.

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