quinta-feira, 2 de agosto de 2012

A Caravana

 Era tarde para o almoço quando um questionamento simples e ingênuo - como perguntar as horas à um estranho - tornou-se a conversa de uma vida entre eu e todo aquele infinito. Poderia ter sido condenado à loucura por tornar caótico um momento de tanta inocência, e ainda que segundos fossem horas dentro daquela estranha percepção, existem coisas que nunca mais estarão no mesmo encaixe.
 Na minha precipitada conclusão, a mutação do tempo fora uma das mais belas maravilhas encontrads no universo. Ora, seria um desafio que nenhum miserável não notasse a diferença do ausente, do que não estava mais ali pela manhã, da explosiva consciência de tudo o que é e que um dia também morrerá.

 Bem-vindo às manhãs mágicas da minha caravana. Não estranhe, pode encontrar viajantes que alimentam o hábito de olhar para o horizonte às suas costas e zombar do passado, mas os babacas não se cansam de repetir os mesmos erros e dificilmente aprendem. Ignorância já os tomou como brinquedo. Gosto de apontar dedos podres contra particulares desgostos, portanto acostume-se ou caia fora!
 Olhe bem. O normal de ontem é hoje uma aberração ao olhos modernos e não mais considera o presente; tornou-se uma marca carregada de vergonha. Deveríamos nos orgulhar dos dias passados, mas logo à tardinha alteramos a direção sem perceber, seguimos instintos desconhecidos até descobrirmos as novas formas de prazer e insistimos no teor caótico das próximas horas. Sabemos reconhecer nossa estupidez, mas fomos criados dentro do propósito ridículo da hipocrisia. A estrada da infância nos ensinou que nossos trajes devem manter a elegância durante cada parada e nenhum fio deve ousar desafiar a maldita tradição. Nossas opiniões mais sinceras foram proibidas, trancafiadas numa caixa e enviadas ao futuro próximo - a estação final do engano, descoberta da falsa liberdade - e não importa o nome que se dê a isso, somente quando descobrimos o quanto fomos reclusos é que conseguimos nos expor.
 Reina aqui a liberdade, - exclusiva minha - nessa pequena caravana existe pouco preconceito e nenhuma doença que destrua histórias de amor. Tenho cuidado para que nunca aconteça tragédias, por isso esteja como quiser perto de mim, eu não me importo, o problema é todo seu. Antes de aumentarmos um pouco a velocidade, quero que aprenda a dizer adeus a algumas das suas manias chatas e saiba que, nem sempre velhas paixões se reencontram, algumas existiram apenas na ilusão da sua cabeça.
 A caravana tem seus segredos - isso é meio polêmico, admito - e toma rumos misteriosos. Aprecia doses de honestidade, possui um peculiar prazer no desconhecido, mas prefere aquilo que conhece por inteiro. Na prática, o conhecido acaba sendo monótono demais para os fracos de coração.
 Alguns gostam de perfume, outros de ar podre, é compreensível, mas nem todos merecem compartilhar dos infortúnios das nossas paixões. Logo seremos tragados pelo vento forte, surdados pelo baixo zumbido e veremos cactos engraçados, que mais parecem andarilhos perambulando pelo nosso deserto.
 Não vamos descer hoje, pois quero que vejam tudo daqui. Se o mundo for mesmo acabar, como dizem, estaremos numa festa vermelha diabólica, curtindo álcool e alguma putaria, no mesmo inferno quente onde tanto queriamos morar. Não resista, sua má conduta o arrastará de um jeito ou de outro. Diga a verdade e evite ser envergonhado na frente de todos os seus amiguinhos idiotas mais tarde. Ninguém estará a salvo, e será lindo dançar com nossos próprios demônios na última noite. Entretanto, aqueles que anunciaram o fim certamente não estavam tão doidos como nós, não tinham o nosso humor e nem falavam a nossa lingua. Somos a elite desse deserto, gritamos contra o eco pelo prazer de ouvir nossa própria voz nos chamar de volta. Somos apaixonados demais pelo mundo e egoístas demais para dividí-lo.
 O cair da tarde engana os olhos. Estaremos sentados ou debruçados uns nos outros, testemunhando o abandono do sol enquanto comemos alguma coisa. Ele deve iluminar os perdidos que estão do outro lado enquanto nós continuaremos nossa jornada pelas trevas da noite. Se ao menos aqueles que me criaram pudessem ver o que eu vejo - felizes não estariam, mas com sorte pensariam em mim como algo diferente do que tentaram construir. Opiniões ou apenas títulos, sei que todos somos frágeis à essas drogas.
 O escuro será a parte mais breve. O que você pensa ser uma longa noite não passa de alucinações com globulos iluminados flutuando no céu e um veneno, um maldito sonífero. Chamo essa sensação estranha de "quase morte", pois não morreremos tão fácil, apesar de ser esta a nossa única certeza.
 O horizonte irá misturar seus tons azuis ao brilho ascendente da manhã pouco antes do sol surgir de novo. Discretamente, alguns milhões de raios estarão sobre as nossas cabeças. A caravana vai estar parada, vamos nos empuleirar no teto e tentar algum lugar mais alto. Sabe amigos, eu não queria ver o esplendor da nova era, eu queria ser visto por ela. Acho que nenhum intrometido terá a ousadia de interromper nosso sagrado momento junto ao recomeço. Haverá um novo céu sobre nós e um mundo brilhante a ser explorado. Retornaremos aos nossos postos, e logo de volta às entranhas de nossa estrada.

2 comentários:

  1. Puta que pariu Xurupitah, vc fez suor masculino escorrer dos meus olhos.

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  2. Ai Sérgio Bitencourt,vocÊ é ótimo com as palavras cara,um ótimo escritor...estou também deixando aqui a minha satisfação em ver o seu blog,eu pessoalmente gostei muito!

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