quarta-feira, 13 de abril de 2011

Habeas Corpus

 Sem malditas dobras nas meias, o dia já se tornou uma conquista e tanto. Mas ainda cercado pela frustração matinal, uma escolha deveria ser feita em pouco tempo. Sem olhar para os lados, não hesitei.
 Minhas melhores companhias têm sido eu mesmo e minha remendada companheira de viagens. Adentro de manhãs aleatórias, me escondendo do sol, contemplando o céu aberto por entre altas e imponentes torres. Uma visão prazerosa e estonteante. Já esperado, lentamente, o sol se aproxima, sorrateiro e quase imperceptível, ainda muito bem vindo quando o frio toca sua arrepiante sinfônia.
 Entre cerca de duzentas músicas do meu repertório favorito, pausas breves para o ronco dos motores e pessoas que passam por aqui. Surreal por um segundo e, num instante, é a vida em si. O mundo se põe de pé sem ao menos perceber que passo meu tempo descansando por aqui. Venho tentando aprender a não ser notado, logo não me importo que girem ao meu redor, na condição de não invadirem o meu quadrado.
 Nota-se uma viagem de pensamentos; no mais profundo deles. Longe de absolutamente tudo, não há dúvidas ou questionamentos acerca do motivo de estar aqui. Como se toda a atmosfera entrasse num transe inaudível, trazendo um raro e delicioso momento de serenidade, o qual eu tanto procuro.
 Aqui ou no inferno, o clique seco dos segundos no relógio soa na mesma intensidade. Horas se arrastam preguiçosamente até que, mais uma vez, eu esteja escapando do sol quando o mesmo começa a me queimar. Contra a lentidão do tempo e com os sentidos aguçados, pequenos detalhes tornam-se belos e fragilmente perfeitos, despertanto um lado sanguíneo e sensível à vida que há muito não sentia.
 Percebi então que outros estavam na mesma posição que eu. Por um momento me senti imitado; afinal, eles também estão aliviando seus corpos e suas mentes do estresse, mas tenho certeza que esses terceiros não acompanham meu texto e nem minhas metódicas observações, nesse lugar tão urbano e ao mesmo tempo tão agradável. Me assustei quando percebi que cada movimento notado por mim acompanhava as constantes músicas no meu player. Comecei a rir então, sem precisar de bons motivos.
  Que diabos é isso? Uma manhã triunfante; ainda que muitos duvidem. A vitória da vontade própria sobre a livre e espontânea pressão imposta pela sociedade. Esta é a luz de pensamentos arrebatadores capazes de curar o medo, a ansiedade, a insatisfação e as dores de cabeça - literalmente. Cedo ou tarde, consequências iminentes cairão, reivindicando minhas escolhas. E quando não mais me couber a mentira ou a omissão, verdades óbvias deixarão claro que, estando certo ou errado, sou um homem livre.

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