quinta-feira, 16 de maio de 2013

A Ruína de Austin

 Há tempos, uma mesma profecia insistia em assoprar-se contra Austin - a lufada fria do inevitável o fazia arrepiar da espinha até a alma. Quando se tem consciência do fim de tudo que conhece, pode parecer normal querer enlouquecer e sair sem rumo, para encher a cara de bebidas e bolachas. No entanto, pouco importava para ele passar a noite em claro ou dormir para que o amanhã vazio e insólito lhe acordasse. Poucas coisas ainda faziam sentido até ali; e foi a perda dessas pequenas coisas que o ruiu, pouco a pouco, até que nada restasse, além de seu orgulho, algo que ele nunca havia perdido.

 Certa vez, Austin questionou a si mesmo se já havia amado de verdade. Hoje, tal indagação não era mais motivo de debate em sua mente. Sim, ele havia amado - e aquilo o aniquilava. Descobriu o amor quando percebeu estar sendo amado na mesma proporção, e o laço forte que a reciprocidade era capaz de criar. Então seus problemas aumentaram, pois aquele não era mais o seu mundo, mas um universo ligado a outro ser de uma forma tão natural, que meses eram notados como semanas e aquela data especial repetia-se com frequência tal, que era difícil manter a contagem sem fazer uma ou duas continhas.
 Nas montanhas logo à frente, além dos portões de seu templo, formava-se uma horrenda tempestade. Seus olhos a observavam com medo e desesperança; tão abominável era, que arruinaria tudo se caísse sobre si e sobre aquilo que protegia. Mas o que fazer, se Austin também amava as tempestades?
 No dia seguinte, Austin foi pego de surpresa pelo primeiro raio, que fora lançado afora da núvem cinza, cortando o ar diretamente contra seu peito. O terrível impacto lhe tirou o folêgo, o lançou à metros de distância e impediu seu grito de socorro. Aflito em seu coração, Austin pôs-se a escrever nas paredes do templo com a vontade e a fúria que ainda lhe restava, acreditando que suas palavras afastariam outro possível ataque; mas à medida que a pedra em sua mão deslizava e marcava seu desespero, a núvem envolvia o templo em sua massa escura e cruel. Ele encarou os céus cobertos pelas trevas, prostrou-se perplexo junto ao centro do salão e, abraçado aos joelhos, apertou os olhos e chorou de medo.
 Um vento forte derrubou os muros de sua coragem, causando um estrondo tão alto quanto o disparar de cem canhões. Foi quando a chuva caiu sobre si, suas gotas como milhares de farpas, que Austin sofreu como nunca havia sofrido. As causas de sua angústia e dor não estavam claras, até que os clarões dos relâmpagos o revelassem a visão terrível. Estivera testemunhando o embate furioso entre tudo aquilo que mais amava se corroer e se corromper num véu negro de pavor e desgraça.
 Seu espaço fora invadido e destruido; suas verdades postas à prova. Austin nunca pensou que a realidade pudesse mudar de forma tão voraz. A tempestade cruel continuou a cair e a desolar a pequena ilha que era seu mundo. Tragou o que era seu para o abismo e a levou de seu coração para sempre.
 Durante alguns dias, Austin permaneceu abatido no chão duro e úmido, que misturava o frio da água precipitada ao sal de suas lágrimas. Quando sua mente enfim cedeu ao fracasso e acatou a idéia de um recomeço, retomou a força precária de seus braços e pôs-se de pé, com extrema dificuldade. O tempo em que estivera deitado o fez acomodar, mas o estalar de suas articulações lhe deu breve e novo ânimo. Sentiu-se um boneco de lata enferrujado, lutando contra a própria degradação.
 A chuva havia apagado seus escritos nas paredes, mas bastava olhar bem de perto para reconhecer o desespero em tentar salvar seu templo. Ele então caminhou até a beirada destruída que antes era uma entrada e contemplou a imensidão nublada sob seus olhos. Notou que a tempestade continuava a cair, mas estava abaixo de si. Tal descoberta o assustou; não queria mais se molhar e os sons abafados dos trovões abaixo das nuvens espessas ainda o deixavam tenso. Do horizonte surgiu o primeiro raio de um novo sol. O brilho resplandecente repousou sobre seus pés e, num agradável ritmo, ascendeu em seu corpo, conforme a estrela surgia. Ela o aqueceu e o fez descansar em seu abraço aconchegante; mostrou-lhe as ruínas de seu passado e o espaço limpo no qual seria construído seu futuro. Estava tudo bem.

 Apesar de ter sido apenas um sonho; maluco, porém revelador, a cidade inteira parecia diferente no dia seguinte, mas Austin sabia que não se tratava da cidade, rindo ao se dar conta do medo que se impõe ao ter que admitir as mudanças de si mesmo. Atravessou a avenida ouvindo músicas que antes não conhecia. Na monotonia, tentou desvendar os sorrisos que estampavam seu mural de desconhecidos, conversou com estranhos próximos e outros colegas distantes, mas evitou manter alguns vínculos; uma vez que, quando a tempestade voltasse a lhe visitar, não queria ele perder mais ninguém.


Um comentário:

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