sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Austin e o Demônio da Verdade

 Um último grito, logo um suspiro e acordou. Nada havia mudado. Aqueles pesadelos o assustavam, mas por uma estranha irônia, Austin queria que fossem verdade. Queria que, ainda que por um único dia, as dores não fossem tão fortes e sua voz fosse tão alta como naquelas ilusões que se despedaçavam.
 Não havia muitas opções para o café da manhã. Não havia fome em Austin. Talvez sua necessidade pudesse ser suprida com doses fortes de xarope e analgésicos - sua nova rotina era caótica. Àquela altura, praticamente todas as pessoas o consideravam louco por sua condição deplorável. Seu cabelo havia crescido a ponto de lhe tapar os olhos, mas ainda assim, era o único que conseguia enxergar alguma coisa.
 Austin não queria ser acordado, mas queria - ainda que não precisasse - ser bem tratado e mimado. Carecia de atenção e um ouvido paciente que lhe aguentasse a lamúria, pois não achava justo o modo como Deus presenteava alguns de seus filhos, enquanto os outros bastardos eram deixados para trás, condenados pela descrença, a desgraça de sua existência ou pelo puro desânimo em adorá-lo.
 Conforme afrontas cresciam, Austin apenas absorvia o menos desinteressante. Não precisava de explicações inúteis para problemas pequenos e, afinal, por que desperdiçar vocabulário numa discução que sairia do zero e nele terminaria? Seu pedido por silêncio era quase humilhante. Lembrou-se daquela festa, onde sua mente mandou que se calasse. Respirou fundo, na tentativa de não brigar com a própria convicção, pois suas emendas haviam se acumulado e estariam se tornando cólera para logo explodir. Maldita mente, por que mandou que eu me calasse? Pensava consigo. De sua boca saiam argumentações absurdas sobre a filosofia de suas tristesas, mas tolo era ele, pensando que alguém iria lhe ouvir.


 Antes do cair da noite, Austin preparou bom-humor e entusiasmo adequados para sarar um dia de discórdias. Partiu consciênte e decidido a deixar seus problemas encostados num canto para se deliciar com sua fuga do pesadelo. Os espaços em branco representavam sua paz de espírito e se mantiveram firmes por  um bom tempo, o suficiente para tomar decisões básicas, mas foi no amplo e repentino escuro que a verdade se manifestou. Como sempre, nunca inteira e, na maioria das vezes, despedaçada, na necessidade de ser moldada e por fim revelada, verdades são como enigmas da morte, ao descobrir é tarde demais.


 Demônios voltaram a lhe atormentar; seus pensamentos cada vez mais confusos; sua paz em branco tornou-se um campo de batalha xadrez onde vencer era apenas parte do problema. Olhe para ela Austin! O apelo da mente fora bastante claro. Austin a trouxe para perto e ali esteve mais calmo. Sabendo que o infinito de seus tormentos voltaria, ignorou o mundo e suas instáveis certezas. Tomou esta ignorância como arma diante dos próximos capítulos de sua infâmia, impedindo um grito há muito preso na garganta.

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