quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

O Bramido do Rei

 Contos de uma profunda e misteriosa natureza revelam uma verdade óbvia, mas há muito não observada: que reis serão reis, ainda que os vermes os comam depois que perecerem.
 Sua condição pode não ser mais a mesma e seu corpo pode não ter mais o mesmo vigor. Sua mente pode ter se perdido no vago limbo da morte. Um rei será eternamente rei. Além da derrota, acima do pecado, diante da fúria e do escárnio, em sua eterna soberba, ao saber que nem todos nasceram para governar.
 Esta é uma história simples, como a história de todo rei.

 Estamos numa terra distante. E bem aqui, perto do sol, nasceu um leãozinho. Ele fora amado, orgulhado e muito bem criado por seus pais. Mas sua precoce inocência não lhe fazia reconhecer que, com poucas semanas de vida, todo pequeno leão teria de ser levado ao cume de um grande penhasco preenchido de raios e fumaça. E que do alto daquele penhasco, os pequenos leõezinhos deveriam ser jogados.
 Dessa forma, nunca mais veriam seus pais; e deveriam sobreviver sozinhos depois da queda.
 O leãozinho fora então lançado. Caiu, bateu aqui e ali; assustou-se e gemeu de dor. Sentiu o solo como uma pancada nas costelas. Não pode se levantar depois disso e ali ficou, até que suas forças retornassem.
 Uma selva escura e densa jazia ao fim do penhasco. Uma ampla natureza e uma diversidade incrível de outros animais habitavam ali, e todos respeitavam o pequeno leão. Aqueles semelhantes a ele mantinham-se sempre por perto. Criando um respeito silencioso através de toda a abundante vida da selva.
 Seguindo o que seu pai lhe ensinará lá em cima, o pequeno leão dominou a caça e aprendeu a se alimentar por conta própria. Encontrou abrigo e água, aconchego nos dias frios e proteção contra as chuvas tempestuosas que desciam das nuvens do penhasco periodicamente. Conheceu e tornou-se amigo da floresta e da maioria dos bichos. Amou uma bela leoa e por ela foi capaz de tornar-se um dócil felino. Entregou-se às paixões, desafios e perigos daquele novo mundo, sem muito pensar. Tornou-se rei.

 Tempo depois, enquanto contemplava o sol, imaginou se era aquele o mesmo que brilhara no dia em que nasceu livre. Desejou que seus pais pudessem contemplar a beleza da estrela junto consigo, pois sentia-se mais próximo da grandeza do mundo quando estava sob o sol, e seu coração desejava alcançá-lo.
 Não havia orgulho ou emoção alguma em ficar ali! Uma idéia de grandes propósitos estava prestes a libertá-lo de sua alienação - não podia mais viver pelos outros, acomodado e esperando pela morte.
 O rei se levantou. Queria voltar, mas jamais deveria ter se entregado à turva selva, que lhe coroou, mas ao mesmo tempo lhe fez escravo de uma condição superior. Agora, seus companheiros o desprezavam por brilhar e estava sendo rejeitado pelos mais radicais. O leão encontrou-se de volta no dia em que fora jogado penhasco adentro por seus pais. Qual era o propósito? Céus furiosos o pairavam sobre si.
 Correu desesperadamente, tentando entender os motivos de não poder se rebelar contra seus liderados pelo seu próprio bem. Não queria fazer mal a nenhum deles, queria apenas um desejo realizado por ter nascido rei. No fim da trilha, esteve encurralado por tudo e por todos e, pressionado, tentou argumentar e convecê-los de sua verdade, mas de nada adiantou. Eles o queriam como rei! Viu e ouviu coisas que não suportava testemunhar, até que suas mandibulas tremeram diante das suplicas, e o leão rugiu.
 Sua fúria ecoou por toda a terra. Fez tremer as florestas, perturbou a calmaria dos lagos e causou a erupção dos vulcões. Grande era a surpresa no coração de cada um de seus companheiros. Um a um, eles lentamente se afastaram e deixaram o leão caminhar pela trilha de essências que havia criado.

 Seguiu através da perdição de sua ira, quando percebeu mudar os arredores e tudo se tornar escuro de repente, como se estivesse envolto numa avalanche de cinzas. Suas patas alcançaram uma parede sólida quando sentiu o chão desaparecer; suas garras expostas - num ato instintivo de sobrevivência - cravaram-se sobre as pedras mais dispersas. O leão ergueu sua cabeça e viu seu grandioso pai logo acima, depois de todo aquele tempo.

 Animais de outras espécies pensam que precisam de um líder, por não saberem lidar sozinhos com suas vidas. A maioria dos leões que são lançados no abismo costumam nunca mais retornar. Eles se deixam levar pela grandeza da selva e são fácilmente dominados por ela. Mas você, filho meu, leãozinho ousado, agora já adulto, fez justiça ao que nasceu para ser. 
 Seu equilíbrio fora estabelecido num rugido que alcançou os céus de seu pai. Sua selva agora lhe respeita pelo que escolheu ser.
És caos e calma, o mais nobre rei: és o rei de si mesmo.